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CAPÍTULO IV - TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA E ILÍCITA

CAPÍTULO IV - TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA E ILÍCITA

CAPÍTULO IV - TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA E ILÍCITA


Inicialmente é preciso se dizer que, não existe qualquer lei especifica que autorize a terceirização. Por outro lado, não existe norma legal que a proíba, sendo possível sua aplicação exatamente por este motivo. Dispõem a CF/88 em seu art. 5°, II que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Já no art. 170 estabelece que: “A ordem econômica, fundada na valoração do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:  I - soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; VI – livre concorrência; V -  defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país”.

Parágrafo único: É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos caso previsto em lei. E, ainda, no art. 193 CF/88 estabelece que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. 

Na Constituição de Federal, por sua vez, o art. 170, determina a valorização do trabalho e da livre iniciativa como pressupostos de existência digna de acordo com os preceitos da justiça social. Para tanto, estabelece princípios, aos quais a terceirização serve como um dos instrumentos para concretização. Sendo a terceirização uma técnica de se obter maior competitividade das empresas, isso reflete no crescimento da economia nacional, possibilitando-lhe a melhor defesa de nossos interesses. Possibilita a existência de diversas empresas, ao contrário da concentração do poder em poucas, o que valoriza a propriedade privada.

Estabelece o art. 444 da CLT que as relações contratuais de trabalho são livres desde que não contravenham às normas tutelares do trabalho. Este artigo consagra o principio da autonomia da vontade, conceituado como sendo “o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica, quer pela vontade unilateral, quer pelo concurso de vontades”.[1]  

É certo que a aplicação deste princípio no Direito do Trabalho, diferentemente de sua aplicação no Direito Civil com caráter supletivo ou subsidiário, tem caráter complementar, uma vez que a autonomia da vontade existe para conceder benefícios além do que dispõe a lei, e jamais para extirpá-los. 

A Lei n° 8.036/90, que rege o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), no Inciso 1° do art. 15, reconhece os fornecedores de mão-de-obra e os tomadores como responsáveis pelos depósitos das verbas relativas em conta vinculadas. Por sua vez, o Inciso 2° do mesmo artigo reconhece aos trabalhadores de prestadora de serviços o direito ao regime do sistema, concedendo o direito de haver as verbas do tomador.

Além do exemplo acima, encontramos tão-somente o Enunciado 331 do TST.

Deste modo a justiça do trabalho estabeleceu critérios para existência de contratos de terceirização, a fim de que não sejam desvirtuados, impedidos ou fraudados os consagrados direitos dos empregados. Este Enunciado, ainda que sem força cogente senão aos processos que alcancem o Tribunal Superior, acolheu aquilo que já estava integrado na realidade econômico-social e definiu alguns limites à interposição de empresas. Diferenciou, portanto, a existência da terceirização lícita da ilícita.

Quanto às normas infralegais, encontramos a terceirização tratada na Ordem de Serviço INSS/DAF-83 de 13.8.1993, que estabeleceu procedimento para a fiscalização das empresas prestadora de serviços por cessão de mão-de-obra e de suas contratantes, apresentando as seguintes definições:

  1. Cessão de mão-de-obra é a colocação, à disposição do contratante em suas dependências ou nas de terceiros, de empregados que realizem serviços contínuos, mediante empresa interposta, por estar admitidos e remunerados.
  2. Enquadram-se na situação prevista no item 1 as seguintes atividades:
    1. Construção civil;
    2. Limpeza e conservação;
    3. Manutenção;

d. Vigilância;

  1. Segurança e transporte de valores;
  2. Transporte de cargas e passageiros;

Outras atividades que venham a ser definidas pelo Ministério do Trabalho.

Como, também na Instrução Normativa GM/MTb de 27.12.1989, que apresentou o seguinte conceito: “Considera-se empresa de prestação de serviços a terceiros a pessoa jurídica de Direito Privado, de natura comercial, legalmente constituída, que se destina ao recrutamento, seleção e treinamento dos trabalhadores por ela diretamente contratados e mantidos à disposição de outras empresas, mediante contrato escrito, podendo inclusive, fornecer materiais e equipamentos, para desenvolver atividades necessárias à consecução dos objetivos daquelas”. Estabelece, ainda, que a contratante deverá ter finalidade diversa das exercidas pela contratada.

Está centrada, pois, a licitude da terceirização  na ausência de lei que a proíba ante expressa disposição constitucional, nos princípios de valorização do trabalho, da livre concorrência, da existência e valorização de pequenas empresas etc.; e, por analogia, nas leis e normas acima especificadas.

Verifica-se, portanto, que as principais críticas relacionadas à terceirização, competem estabelecer critérios sobre a licitude desta técnica de administração de empresas que interfere na relação de emprego, instituto importante não somente para o Direito como, também, para Economia e para Sociedade. Esses critérios demonstrarão de forma mais profunda que as criticas feitas não são sólidas o bastante, tanto que não impediram que esta técnica cristaliza-se no cenário nacional.

A principal finalidade do Direito Social “é assegurar a paz social, o interesse geral, o bem comum”. O implemento e o crescimento da terceirização deram-se exatamente porque se adequou a estes fins.

À luz das ponderações apresentadas até o momento, pode-se salientar que os atos jurídicos dividem-se em lícitos e ilícitos afastando-se logo de inicio a idéia de que o ato jurídico não seja ele ilícito, pois, na verdade, é este instituto considerado como parte integrante da categoria de atos jurídicos, sem considerar o sentido intrínseco da palavra, de tal sorte que o ilícito não pode ser jurídico.

Atos jurídicos são, portanto, meramente lícitos, os praticados pelo homem, sem intenção direta de ocasionar efeitos jurídicos. A respeito do tema, nos ensina Sérgio Pinto Martins:[2]

 

 “Terceirização lícita é a que observa os preceitos legais relativos aos direitos dos trabalhadores, não pretendendo fraudá-los, distanciando-se da existência da relação de emprego”

“A terceirização ilícita é a que se refere a locação permanente de mão-de-obra que pode ensejar a fraudes e a prejuízos dos trabalhadores.”


Para que a terceirização tenha validade no âmbito empresarial não é possível que se haja indícios, elementos de uma relação de emprego, principalmente o elemento subordinação em relação à empresa tomadora de serviços.

Implica, para tanto, a locação permanente de serviços, a terceirização ilícita, o fornecimento de mão-de-obra mais barata, com redução de salário e um desvirtuamento da relação de emprego, e, também, é imperioso dizer da escolha de parceiros inadequados, quando financeiramente não apresentar idoneidade.


4.1 Pessoalidade e subordinação direta


Nos termos do at. 3º da CLT, a pessoalidade é um dos elementos caracterizadores da figura do empregado.

O contrato de trabalho origina para o empregado uma obrigação de fazer consistente, precisamente, na prestação do serviço convencionado pelas partes. Esta obrigação não é fungível, isto é, não pode ser satisfeita por outrem, mas tão-somente por quem a contraiu. “Diga-se, portanto, em relação ao empregado, que o contrato de trabalho é concluído institui pessoalidade”.[3]

É devido a esse motivo que se exige a ausência de pessoalidade entre o empregado da prestadora de serviço e o tomador desses, para que não se constitua, aí, relação de emprego, ou o contrato-realidade.

Portanto, essa ausência de pessoalidade caracteriza-se pela ausência de ligação pessoal entre o trabalhador (empregado da prestadora de serviço) e a tomadora. A prestadora poderá substituir seu empregado sempre que lhe convier, estando obrigada, por força do contrato que celebrou com a tomadora, apenas a manter em execução os serviços contratados. O mesmo vale dizer com relação ao empregado, que, por força do contrato de trabalho individual, deverá destinar sua força de trabalho paro o tomador que a prestadora determinar.

Contudo, a pessoalidade não pode existir na relação entre o tomador e o empregado da prestadora, também não deve existir a subordinação jurídica direta. Essa dependência jurídica é conceituada como sendo “uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenha”.[4]

Vale para tanto ressaltar que a subordinação jurídica é a tradução do poder de direito intrínseco à figura do empregador (art. 2° da CLT). Diferente de outras formas de dependências, dentre elas a técnica, a economia e a social, que não estão obrigatoriamente presentes em todos os contratos de trabalho, pois, respectivamente, não é difícil o empregado deter maiores conhecimentos técnicos que o empregador, da mesma forma não é impossível que detenha melhores condições financeiras ou, mesmo, que o emprego seja fonte econômica secundária para o empregado; e quanto à última servem os exemplos anteriores, pois se trata da fusão dessas em um “conceito único mais amplo”. [5]

Essa subordinação jurídica, estabelecida pelo art. 3° da CLT como “dependência”, é que confere ao empregador o direito de determinar quando, onde e como o empregado deverá executar os serviços, obedecidas as normas tutelares do contrato individual.

Logo, para que a terceirização não se revista de nulidade, para que não seja utilizada para desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação das normas tutelares do Direito do Trabalho, não poderá existir subordinação jurídica direta na relação entre o empregado da prestadora de serviços e a tomadora.

Com efeito, não poderá o tomador dos serviços estabelecer ordens técnicas ou regulamentares diretas ao trabalhador contratado pela prestadora de serviços. Também não poderá aplicar-lhe punições disciplinares, pois, se assim agir, estará transferindo o vínculo de emprego da prestadora para si, pois cristalizar-se-á a figura do empregado.

Observamos, ainda, que é imperativa a coexistência da pessoalidade e da subordinação direta para descaracterização da terceirização lícita. A importância de coexistência da pessoalidade e da subordinação direta para tornar ilícita a terceirização está expressa pela conjunção “e” contida no Enunciado 331 do egrégio TST, em seu item III, que dispõe o seguinte: “Não forma vínculo de emprego com a tomadora a contratação de serviços de vigilância (Lei n° 7.102/83), de conservação e limpeza, bem como serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta” (grifos nossos). 

Para exemplificar, encontramos uma situação em que um empregado de prestadora de serviços trabalhe durante longo período nas dependências da tomadora sem dever de obediência hierárquica a esta; no momento em que seus serviços passarem a ser dirigidos e fiscalizados diretamente pela tomadora caracterizar-se-á fraude à legislação do trabalho, afastando-se, por nulos, todos os atos praticados e caracterizando o vínculo diretamente com a mesma. Outro exemplo é a situação em que “trabalhadores da empresa contratada ombreiam-se com empregados da empresa contratante, sob a direção desta, na execução de um único e mesmo serviço”. Neste caso estará presente “a intermediação de mão-de-obra ou marchandage, expediente deturpado que encontra rechaço no art. 9° da CLT”.[6]

Entendemos, portanto, que, presente na terceirização empresa prestadora devidamente constituída e, ausente à pessoalidade e a subordinação, não há em que falar em ilicitude quando se tratar de transferência de atividade auxiliar, conhecida como atividade-meio.


4.2 Atividade-fim e atividade-meio


Como já explicado anteriormente, temos que a terceirização somente é admitida para execução de serviços auxiliares não ligados ao fim principal da empresa tomadora. Serviços, esses, usualmente conhecidos como atividades-meio, termo adotado pelo Enunciado 331 do TST.

Caracterizar atividade-meio simplesmente como serviço auxiliar de determinada empresa confere um critério muito subjetivo, com o qual não se coadunam as normas de Direito. Possibilita que maus empresários, classificando serviços essenciais como auxiliares, fraudem a aplicação das normas tutelares do Direito do Trabalho. Porém, é bastante difícil estabelecer especialmente o que é atividade-meio e o que atividade-fim, que pela gama de atividades existentes dentro de uma empresa, quer pela dinâmica empresarial no desenvolvimento de novas técnicas produtivas, de bens ou serviços.

Por atividade-fim a doutrina tem entendido aquela essencial ao objeto social da empresa, ligada ao seu principal fim, ou ainda, dirigida ao seu objetivo econômico, atividade para a qual a empresa foi criada e, organizada, alocando pessoal, custos e definindo tarefas.   Por exemplo, a produção dos motores destinados a veículos produzidos em uma montadora de veículos. As atividades-fim podem ser executadas pela própria empresa ou podem ser terceirizadas.

Já a atividade-meio é aquela que faz parte do processo de apoio à produção do bem ou do serviço que é a razão de ser da empresa. São passíveis de terceirização, a titulo de exemplo, as seguintes atividades: vigilância, segurança patrimonial e pessoal; preparo e distribuição de alimentação; limpeza; conservação e manutenção patrimonial, inclusive jardinagem e paisagismo; transporte de empregados e de produtos, interna e externamente; serviços de portaria, telefonia, telemarketing e elevadores; conservação, manutenção e operação de equipamentos de informática e de programa de computadores; conservação e manutenção de equipamentos industriais; assistência médica, odontológica, jurídica, contábil ou qualquer outra de caráter técnico; manutenção e conservação da frota de veículos, serviços de mensageiros; sistema de arquivos; publicidade, vendas e pesquisa de opiniões; seleção e treinamento de empregados; serviços gráficos e reprográficos – dentre outros, observando os elementos que constituem a terceirização licita.

Nessa linha de raciocínio, fica bem claro o Enunciado 331 do TST, ao restringir a terceirização as atividades-meio da empresa. Essa tese está na essência da prestação de serviços. Toda empresa para crescer necessita canalizar seu tempo e energia à sua missão principal, sua atividade-fim, em vez de construir uma estrutura gigantesca para cuidar da vigilância, alimentação, limpeza e outros seguimentos de apoio à cadeia produtiva. 

Assim em se tratando de atividade cujo fim é o apoio, a instrumentalidade do processo econômico, a atividade-meio, nada impede a terceirização. Se, no entanto, tratar-se de atividade não de apoio, mas finalística da empresa é no entanto, desautorizada.



[1] Amauri Mascaro Nascimento, Curso de Direito do trabalho, p. 286.

[2] Martins, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. 6 ed. ver. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2003, p. 152.

[3] Orlando Gomes e Élson Gottschalk, ob. , cit. , p. 136.

[4] Amauri Mascaro Nascimento, ob. , cit. , p. 392

[5] Orlando Gomes e Élson Gottschalk, ob. , cit. , p. 136

[6] Sérgio Pinto Martins, ob. , cit. , p. 199